Opinião Pública, a prostituta que puxa o juiz pela manga

 

Artigos

30junho2006

SUZANE NA PRISÃO

Opinião pública, esta prostituta que puxa o juiz pela manga

Por Félix Soibelman

“Opinião pública, esta prostituta que puxa o juiz pela manga”. A frase acima é de Moro-Giaferri, grande advogado francês. Vemos que o STJ tornou-se refém desta prostituta, como nunca antes em sua história, ao reconduzir Suzane Richthofen à prisão.

Pergunta-se: entre a liberdade provisória ou relaxamento de prisão (não sei qual foi a figura técnica exata) e a prisão preventiva houve algum fato novo, que ensejasse, nos ditames da lei, a decretação desta? Não. Suzane simplesmente exerceu um direito de ampla defesa, na qual se encerra o direito de mentir e traçar estratégias com vista à natural e humana aspiração de liberdade, somente reprovado nos estados totalitários e autoritários.

No corolário da ampla defesa se encontra o sigilo das comunicações com o advogado, direito seu que foi vilmente violado pela hidra das comunicações, a Rede Globo, a qual, vendo o seu disparate naufragar, com o novo relaxamento de prisão, desmoralizada, não teve outro remédio senão continuar a carga, e eis aí que o STJ, no julgamento de mérito do HC, se inclina indignamente ante a opinião pública.

Logo no começo do episódio deu-se a mais curiosa figura já insculpida por um magistrado num processo penal, a saber, a expressão “panorama processual”, cujo conteúdo esotérico é algo a ser garantido, na opinião do magistrado, com a prisão preventiva. Sim, disse o magistrado que Suzane alterava o panorama processual. Até agora não consegui, como atualizador de uma enciclopédia jurídica, divisar qual é, dentro da sombra do enigma, o significado disto, salvo que é “eufemismo para coisa alguma”.

“Panorama processual alterado para justificar a prisão preventiva” é fórmula das mais sofismáticas, muito própria do nosso “direito judiciário” (aquele direito que não está em lugar algum nem nos andaimes da lógica, mas que irrompe como golpe mágico da cabeça dos juízes para a alicerçar até mesmo “a anti-matéria nos direitos reais”, se necessário for…e talvez muito mais, porque joga a ciência jurídica no buraco negro..).

Desafio o referido magistrado a definir o que é “panorama processual” vulnerável pelo exercício da livre expressão do réu quando externa a sua versão dos fatos, merecendo ser preservado desta vulneração com a prisão preventiva. A ConJur poderia entrevistar o magistrado para que ele nos defina o que é, com todo rigor que a ciência jurídica exige.

É claro, não faltam, nesse imbróglio, os incautos e as indumentárias de todos os tipos, com suas opiniões lastimáveis e lastimantes. Há desde aqueles com alguma formação jurídica que dão prova de não entenderem nada da ciência que estudaram, como aqueles “achistas de algibeira”, que coincidem com os primeiros na sua total falta de articulação de conceitos e pensamentos,o que os faz presa de verdadeira trapalhada. Confundem a defesa das instituições e do devido processo legal e as garantias a este inerentes com a defesa da prática delituosa, confundem a defesa do criminoso com a defesa do crime. Atacam advogados, condenariam não só o corpo, mas até alma do acusado, por muito pouco, apenas pelo que lêem nos jornais, etc., etc., etc..

Estas pessoas que assim fazem, muito rapidamente transformam-se quando por qualquer motivo o Estado desaba sobre elas..aí correrão para um advogado e se indignarão, se for o caso, se algum juiz mandar puxar-lhes o pescoço para dentro de uma cela sem o respeito por seus direitos e recordar-se-ão do valor do devido processo legal. Sim, na posição de réu ou investigado, até os Prudentes e os Santos tornam-se entusiásticos legalistas que clamam por qualquer brecha na legislação que os salve de uma cadeia brasileira, e fogem como o diabo da cruz se encontram um advogado moralista que lhes recusa a mentira em sua defesa. Hipocrisia tem hora, senhores, e esta hora começa às 20:30, quando passa o “Jornal Nacional.”

O pior de tudo é que os jurados já foram, com todo este estardalhaço midiático, viciados, mergulhando o julgamento numa pantomima de cartas marcadas, a configurar nítida nulidade. Só o tempo e o silêncio restaurariam a justiça de um julgamento como este, depois da insanidade processual e populista que se armou nele ou em torno dele. Nos faz recordar muito o espetáculo público que eram as execuções nos séculos passados.

Por falar em séculos passados, recordemos que durante a Inquisição concebia-se que o juiz desempenhava uma luta contra o diabo, pois o réu nada mais era que um possuído por Satanás. Não obstante, assim mesmo, determinava o regulamento do Regimento do Santo Ofício da Inquisição dos Reinos de Portugal: “Quando o Procurador eleito pelo réu quiser estar com ele para o instruir e informar sobre a defesa da sua causa, será prontamente conduzido por qualquer Oficial do Santo Ofício ao lugar onde o réu se acha e aí os deixará a ambos em liberdade o mesmo oficial, pondo-se em distância tal que não possa ouvi-los; e, acabada a prática, acompanhará o dito Procurador até a porta por onde entrou; e o mesmo se observará em todas as mais ocasiões que os Procuradores quiserem ter práticas com os réus sobre os pontos e artigos de sua defesa” (título 6º, nº 3, do Regimento de 1774).

Aqui no Brasil do século XXI ainda não chegamos, todavia, a tal evolução jurídica que a Inquisição tinha em Portugal, pois, os juízes: a) determinam a escuta telefônica ou violação de correspondência entre cliente e advogado por e-mail para decretar a prisão; b) permitem que se invadam escritórios; c) decretam a prisão preventiva com base em fato que constitui violação das prerrogativas de advogados por uma emissora televisiva. Enfim, Satanás, vulgo Diabo, na Inquisição tinha seu direito de defesa mais respeitado do que o acusado no processo penal brasileiro.

Félix Soibelman é advogado no Rio de Janeiro, editor e atualizador da Enciclopédia Jurídica Soibelman em CD-ROM.

Revista Consultor Jurídico, 30 de junho de 2006

Mateus 7. “ Com a mesma medida que julgares, será julgado”

http://www.conjur.com.br/2006-jun-30/opiniao_publica_prostituta_puxa_juiz_manga

Opinião Pública, a prostituta que puxa o juiz pela manga

Esta frase é de um dos mais importantes advogados do Brasil, preocupado com as decisões que buscam dar satisfação e não fazer justiça. E ele referia-se a dois casos conhecidos: a prisão de Paulo Maluf, sob a alegação de coagir testemunha, quando a dita testemunha era o outro réu do processo. O STF mandou soltar Maluf e ainda deu um pito no juiz. A prisão de Suzane por ela ter sido orientada pelo advogado a chorar diante das câmeras globais. Incluiria como exemplo local a vergonhosa prisão de Carlão por porte de arma. Outro pito do STF. 

Ora, qualquer iniciante em Direito sabe que o réu pode mentir e tudo fazer para prevalecer sua tese. Com o MP é a mesma coisa. Promotores distorcem provas e fatos para favorecer a acusação. A verdade no Direito tem três faces, a da defesa, a da acusação e a do Juiz. Cada um tenta impor a sua e o Juiz decide qual é a verdade verdadeira. 

Todo este preâmbulo é para entrar numa questão que muito me preocupa: a força da prostituta aliada a presunção da culpa. Esta mistura é violenta para a cidadania e agride direitos elementares do ser humano, como sua imagem. 

Refiro-me a questão da anulação de um concurso para juiz por suspeita de favorecimento. Citam-se nomes dos “favorecidos” e de quem os “favoreceu”, manchando sua reputação. Não há prova de fraude, nem mesmo uma denuncia, uma fofoca que seja. Mas alguém suspeitou de algo e mesmo sem provas tomou a decisão como se ali houvesse um fato comprovado, uma fraude inquestionável. 

A suspeita fala mais do que provas. Julga-se pelo que se imagina – e a imaginação revela alma e caráter desta pessoa. A essência do Direito está sendo prostituída: suspeitas são tratadas como provas, réus como condenados e condenados como bichos. 

E o mais preocupante de tudo isso é ver magistrados curvando-se diante da prostituta, e contribuindo com a manchete do jornal do dia seguinte. Dane-se a presunção de inocência. Ausência de prova não é ausência de culpa, mas também ausência de prova não pode ser prova de culpa. 

Que a Justiça de Rondônia sinta a dor das injustiças e das decisões teatrais – como sentiu na operação dominó. A anulação deste concurso é mais uma violência contra o Judiciário. Entretanto, é uma oportunidade de reflexão de seus membros para que aqui na terra de Rondon a prostituta não leve juizes para cama e a presunção de inocência seja respeitada. A dor é uma ótima oportunidade para aprender. Principalmente quando a dor é causada pela injustiça. 

Mateus 7. “ Com a mesma medida que julgares, será julgado”

http://www.tudorondonia.com.br/noticias/opiniao-publica-a-prostituta-que-puxa-o-juiz-pela-manga,2182.shtml

DIANTE DA ORIGEM DO MUNDO, ELA DEU UM GRITO

DIANTE DA ORIGEM DO MUNDO, ELA DEU UM GRITO

ELIANE BRUM
 
Eliane Brum, jornalista, escritora e documentarista (Foto: POCA)

Eliane Brum, jornalista, escritora e documentarista. Ganhou mais de 40 prêmios nacionais e internacionais de reportagem. É autora de um romance – Uma Duas (LeYa) – e de três livros de reportagem: Coluna Prestes – O Avesso da Lenda (Artes e Ofícios), A Vida Que Ninguém Vê (Arquipélago Editorial, Prêmio Jabuti 2007) e O Olho da Rua (Globo). E codiretora de dois documentários: Uma História Severina e Gretchen Filme Estrada. elianebrum@uol.com.br
@brumelianebrum (Foto: ÉPOCA)
 
Muitos anos atrás, não sei precisar quantos, deparei-me com o quadro A origem do mundo (L’Origine du Monde, 1866) e me encantei. Nele, o francês Gustave Courbet pinta uma vagina. Cheguei a ela desavisada e fui tomada por uma sensação profunda de beleza. Forte o suficiente para sonhar, deste então, com a compra de uma reprodução, um plano sempre adiado. Quando passei a trabalhar em casa, há dois anos, desejei ainda mais ter o quadro na parede do meu escritório, onde reúno tudo aquilo que me apaixona em um pequeno universo perfeito e só meu. No último aniversário, em maio, meu marido me deu a reprodução de presente. Só na semana passada, porém, o quadro chegou da vidraçaria onde fez escala para receber moldura. Então, algo inusitado aconteceu. 
Ouvi um grito:
– É o fim do mundo!
Eu estava no quarto e saí correndo, alarmada, para ver o que tinha acontecido. Encontrei Emilia, a mulher que limpa nossa casa uma vez por semana, com o rosto tomado por um vermelho sanguíneo, diante deA origem do mundo, que, ainda sem lugar na parede, jazia encostado em um armário.  
– É o fim do mundo! – gritava ela, descontrolada. – Nunca pensei ver algo assim na minha vida! Eliane, que coisa horrível!
Meio atordoada, eu repetia: “Não é o fim do mundo, é o começo!”. E depois, sem saber mais o que fazer para acalmá-la, me saí com essa estupidez: “É arte!”. Como se, por ser “arte”, ela tivesse de ter uma reação mais controlada, quando é exatamente o oposto que se espera. Beirando o desespero diante do desespero dela que eu não conseguia aplacar, apelei: “Mas, Emilia, metade da humanidade tem vagina – e a humanidade inteira saiu de uma vagina! Por que você acha feio?”.
O fato é que, para Emilia, era o fim do mundo – e não o começo. Tentei fazer piada, mas percebi que a perturbação não viraria graça. A questão para ela era séria – e ela só não pedia demissão porque trabalha há 12 anos comigo e temos um vínculo forte. Naquele dia, Emilia despediu-se incomodada e passei a temer que talvez ela não suporte olhar para o quadro a cada quinta-feira.
 
Por que Emilia, uma mulher adulta, que me conta histórias escabrosas da vida real, se horrorizou com a visão de uma vagina? Por que eu me encantei com a visão de uma vagina? Quando vivo uma experiência de transcendência, em geral eu não quero saber sobre a história da pintura que a produziu, porque temo perder aquilo que é só meu, a sensação única, pessoal e íntima que tive com aquela obra. É uma escolha possivelmente besta, mas faz sentido para mim. Por isso, eu quase nada sabia sobre “A origem do mundo”, para além do fato de que eu a adorava. Só no ano passado, ao ler um pequeno livro sobre um dos grandes nomes da história da psicanálise, o francês Jacques Lacan, soube que ele foi o último dono da pintura. Nos anos 90, sua família doou o quadro para o Museu D’Orsay, em Paris, onde está desde então. 
Graças ao estranhamento de Emilia, transtornada que foi pela experiência artística quando se preparava para passar o pano no chão, fui levada a um percurso inesperado. Descobri que A origem do mundocausa escândalo desde que foi pintada. E agora quem está horrorizada sou eu, mas pela ausência de horror em mim diante do quadro. Por quê? Por que eu não sinto horror? O que há de errado comigo que não sinto horror?, cheguei a me perguntar. De repente, nossas posições, a minha e a de Emilia diante do quadro, inverteram-se. Eu, que não compreendia o horror dela, passei a suspeitar do meu não horror.
Eis uma breve trajetória da obra. A origem do mundo foi encomendada a Courbet, um pintor do realismo, por um diplomata turco chamado Khalil-Bey. Colecionador de imagens eróticas, ele pediu um nu feminino retratado de forma crua. E Courbet lhe entregou um par de coxas abertas, de onde despontava uma vagina após o ato sexual. A obra teria sido instalada no luxuoso banheiro do milionário, atrás de uma cortina que só se abria para revelar o proibido para uns poucos escolhidos. Khalil-Bey teria perdido a pintura em uma dívida de jogo, momento em que a tela passa a viver uma série de peripécias. 
O quadro teve vários donos e, ao que parece, todos o escondiam atrás de uma cortina ou de uma outra pintura. Na II Guerra Mundial, algumas versões afirmam que chegou a ser confiscado pelos nazistas do aristocrata húngaro ao qual pertencia. Em seguida, passou uma temporada nas mãos do Exército Vermelho. Até que, após uma acidentada jornada, em 1954 foi comprado por Lacan e instalado na sua famosa casa de campo.
Até mesmo Lacan, um personagem pródigo em excentricidades e sempre disposto a chocar as suscetibilidades alheias, ocultava o quadro com uma outra pintura, encomendada ao pintor surrealista André Masson com esse objetivo. Como uma porta de correr, esse “véu” retratava uma vagina tão abstrata que só um olhar atento a adivinhava. Apenas visitantes especiais ganhavam o direito de desvelar e acessar a vagina “real”. Segundo Elisabeth Roudinesco, a biógrafa mais notória de Lacan, o psicanalista gostava de surpreender os amigos deslocando o painel. Anunciava então “A origem do mundo”, com a seguinte declaração: “O falo está dentro do quadro”. Boa parte dos intelectuais apresentados à tela ficava, como Emilia, bastante incomodada.
Por quê? 
Que há algo perturbador no órgão sexual feminino não há dúvida. Até nomeá-lo é um problema. Vagina, como tenho usado aqui, parece excessivamente médico-científico. É como pegar a língua com luvas cirúrgicas. Boceta ou xoxota ou afins soa vulgar e, conforme o interlocutor, pejorativo. É a língua lambuzada pelo desejo sexual – e, por consequência, também pela repressão. Não há distanciamento, muito menos neutralidade possível nessa nomeação. É uma zona cinzenta, entregue a turbulências, e a palavra torna-se ainda mais insuficiente para nomear o que Courbet chamou de “A origem do mundo”. Para Lacan, “o sexo da mulher é impossível de representar, dizer e nomear” – uma das razões pelas quais teria comprado o quadro.

Em busca de respostas para o horror de Emilia, que, por oposição, revela o meu não horror, naveguei por algumas interpretações do quadro – e da perturbação gerada por ele. Jorge Coli, historiador, crítico de arte e autor de um livro sobre Courbet para a editora francesa Hazon, assim comentou sobre A origem do Mundo, em um artigo publicado em 2007: “Parece-me a radicalização do processo de transformar a mulher em um objeto orgânico, pois ele esconde a cabeça (pensante) e os braços e pernas (elementos da ação). Vemos a ponta do seio e, sobretudo, o sexo”. Coli assinala que uma das questões do século XIX era a ameaça do desejo contida no feminino. Inerte, entregue à contemplação, a mulher não ameaçaria.

Em algumas manifestações escandalizadas, o fato de Courbet ter “reduzido” a mulher a um pedaço da anatomia foi considerado uma afronta. Uma mulher sem cabeça, sem braços, sem história. A pintura chegou a ser definida pelo escritor e fotógrafo francês Maxime Du Camp como um “lixo digno de ilustrar as obras do Marquês de Sade”. Análises mais psicanalíticas explicam o horror de quem olha pela castração. Diante do espectador, entre as coxas abertas da mulher se revelaria a ferida aberta, a falta, a impossibilidade de ser completo. As mulheres se horrorizariam pela constatação da castração, os homens pelo temor a ela. Se alguns olhares produzem pistas, outros reforçam apenas o incômodo que a obra produzia.

O efeito do quadro já foi tentado em fotografias de mulheres, em geral prostitutas, colocadas na mesma posição, mas o resultado revelou-se diverso. Ao transpor para a fotografia, não é mais a imagem de Courbet, mas outra. Até que, em 1989, uma artista francesa, Orlan, fez algo marcante – e com grande potencial para gerar polêmica – a partir da obra original. Ela reproduziu a pintura trocando a vagina por um pênis – ou a boceta por um caralho. E chamou-a de A origem da guerra. Olhar para essa imagem causa um estranhamento, especialmente porque a posição, deitada de costas, é muito mais íntima da mulher do que do homem. O pênis, no caso, se oferece ereto ao olhar, mas a partir de um corpo na horizontal, entregue.

É instigante, desde que a provocação não seja reduzida a um feminismo indigente, banalizado pela crença pueril do “a mulher gera a vida, o homem a morte”. A intenção de Orlan, segundo Roudinesco, era bem mais refinada. Ela “pretendia desmascarar o que a pintura dissimulava, realizando uma fusão da ‘coisa’ irrepresentável com seu fetiche negado”. Reivindicava então a “imprecisão do gênero e da identidade” que marca o nosso tempo, anunciando, por sua vez: “Sou um homem e uma mulher”.

O que se pode afirmar é que Courbet revelou o que está sempre coberto, oculto, escondido. No Carnaval brasileiro, por exemplo, como lembra a psicanalista Maria Cristina Poli em um artigo interessante sobre o feminino, tudo é exposto – e até superexposto – do corpo da mulher, menos a vagina. Mas a força do quadro não está só no “mostrar”. Há algo de incapturável e único na forma como Courbet mostrou o “imostrável”, já que a transposição da imagem para a fotografia não causa o mesmo efeito. E o que é?

Não sei.

A vagina pintada por Courbet é peluda como não vemos mais nos dias de hoje. A depilação quase total do sexo feminino tornou-se um popular produto de exportação do Brasil. Tanto que virou um dos significados da palavra “Brazilian” no renomado Dicionário Oxford: “Estilo de depilação no qual quase todos os pelos pubianos da mulher são retirados, permanecendo apenas uma pequena faixa central”. Pelo visto, a partir dos trópicos supostamente liberados e sexualizados, a vagina depilada virou um clássico contemporâneo.

Este é um ponto interessante. Ao primeiro olhar, a extração dos pelos serviria para revelar mais a vagina, mas me parece que este é mais um daqueles casos, bem pródigos na nossa época, em que se mostra para ocultar – a superexposição que ofusca e cega. A vagina sem pelos é uma vagina flagelada – e arrancar os pelos com cera é mesmo um flagelo. É também uma vagina infantilizada pela força. E é ainda uma vagina esterilizada, já que vale a pena lembrar que no passado recente essa depilação agressiva só acontecia nos hospitais para, supostamente, facilitar o parto. “Se não depilo totalmente, me sinto suja”, disse-me uma amiga. Suja?

Em janeiro de 2000, a atriz Vera Fischer exibiu sua vagina peluda em um ensaio fotográfico da revistaPlayboy. Causou furor. Falou-se na “Mata Atlântica”, na “Amazônia”, na “selva” onde sempre é perigoso penetrar. Havia algo de poderoso e incontrolável na vagina em estado “natural” de Vera Fischer, e a polêmica se fez. Era uma mulher não domesticada ali. Uma mulher adulta.

Não me phttp://olhoseternos.blogspot.com.br/2012/08/por-que-imagem-da-vagina-provoca-horror.htmlarece – e nunca saberemos se tenho razão – que, se Courbet tivesse pintado uma vagina careca, ela teria causado tanto o horror de Emilia quanto o êxtase em mim. A vagina pintada por Courbet é uma vagina que revela. Mas o quê?

Não sei. A maravilha da arte é que ela nos transtorna sem a menor intenção de nos dar respostas – muito menos caminhos a seguir. A arte é sempre labiríntica. Não há sentimentos “certos” ou “errados” diante da expressão artística, há sentimentos apenas. Movimentos. Que nos levam por aí, aqui. É em respeito a essa ideia que decidi não colocar nenhuma imagem do quadro aqui, nem mesmo um link – ou um atalho – para a imagem na internet. A busca da origem do mundo é pessoal e intransferível. Assim como a decisão de buscá-la.

A obra de Courbet sempre foi oculta por uma outra pintura. Ou cortina. Exceto agora, que a exibição no museu deu a ela uma espécie de salvo-conduto, por ser ali “o lugar certo”. De algum modo, até então, a vagina mais famosa da História da Arte fora coberta por um véu – além do véu representado pela própria pintura.

Decidi não cobrir minha reprodução de A origem do mundo com uma burca. Vamos ver o que acontece.  

(Eliane Brum escreve às segundas-feiras.)
Nota

Notícias

Ex-secretário geral, Silvio Pereira, reaparece na imprensa mostrando desequilíbrio emocional

 

O ex-secretário geral do DN PT, o agora ex-filiado Silvio Pereira, deu entrevista ao jornal O Globo, que repercute nos jornais da internet e em outros veículos da imprensa. De concreto e de novo ele não trás nada. A não ser uma especulação sobre as intenções do empresário Marcos Valério em arrecadar, para si, um bilhão de reais em operações com intituições bancárias e com supostas interferências em licitações. A própria Folha de São Paulo reconhece momentos de desequilíbrio emocional de Sílvio Pereira. O Jornal Nacional, da Globo, de sábado, dia 06 de Maio, misturou a cobertura da tal entrevista com o comércio do dia das mães, com corrida da Fórmula 1 e outras trivialidades. Blogs de comentaristas hostis ao PT e ao Governo Lula também não conseguiram extrair muita coisa da referida entrevista. A não ser, como sempre fazem, distorcer uma fala aqui e outra acolá e misturar os fatos.

Enfim, há duas versões para mais esse desatino do ex-filiado Sílvio Pereira: ou descontrole emocional, ou isso somado à vontade de tumultuar as prévias do PT em São Paulo. Ele e outros são os fantasmas do valerioduto, prática que nasceu no ninho tucano mineiro, que virão assombrar a vida política nacional.

Enfim, o que ele deu mesmo foi munição à desmoralizada CPI dos Bingos, a CPI do fim do mundo, para angariar os holofotes da imprensa, por mais alguns minutos.